sexta-feira, 13 de junho de 2014

Tenho vindo ao mundo em refeitas edições

Prometeo - José de Ribera


Tenho vindo ao mundo em refeitas edições
E trazido comigo as mais refinadas pérolas,
Mas o mundo me tem negado juízo,
Pois não compreende senão os valores meros.
Assim, achincalham de mim,
Vociferam contra mim,
Tributam-me a loucura, a empáfia
E o desprezo por tudo que é sagrado.
Não há indulgências para almas perdidas como a minha,
Sou para o mundo um fardo, um incômodo,
Um total indesejado em todos os círculos.
Se soubessem das flores que trago,
Como é doce o seu perfume.
Contudo, se lhes as ofereço,
Cospem-me na cara e me dizem ofensas.
Sou dado como incapaz,
Como a mais inútil criatura,
Um vampiro a sugar da retidão de suas atitudes,
Do fruto de seus eméritos esforços.
Sou a mais completa danação.
Se não tenho cigarros e esmigalho as bingas que restam
E refaço-os, chamam-me mendigo, imundo.
Se bebo, cochicham baixo, apontando-me a embriaguez.
Alguém já me recolheu caído em um canto qualquer?
Não, mas ainda assim cochicham e torcem para que caia
E possam pisar a minha cabeça.
Chamam à minha arte delírio, alucinação,
E não creem que se esse mundo ainda não foi tragado pela morte,
É porque ainda existe gente aqui como a mim.
Não que eu tenha algum valor perante a grandeza de tudo,
Mas porque eu olho a tudo na sua verdadeira dimensão.
Eu não venho aqui porque me empurraram ao Abismo
— Há milênios sim, mas não agora —,
Mas por ter a clareza, vim para trazer a Luz.
Porém, o que querem de mim, o que buscam em mim,
Arrastar-me para as trevas, tirar do meu sumo
O sabor amargo da minha imensa dor.
É só o que têm de mim, é só o que me causam.
Ser profeta num mundo de cegos e surdos
É melhor do que ser poeta.
Ser poeta é conviver com sua própria dor
E todas as dores alheias,
É parir o mundo inteiro pela garganta.

S. Quimas

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