segunda-feira, 30 de junho de 2014

Hoje estou vazio

Arte: Serge Mashennikov


Hoje estou vazio,
Feito a última garrafa
Do vinho já bebido.
Nada me apetece
E uma tristeza imensa,
Uma melancolia sem limites,
É do que se enche minha alma.

Há dias assim,
Dias em que o sol brilha luz negra,
Que o céu se tinge de trevas
E nenhuma estrela aparece.
Tudo é sombra,
Névoa que embaça a paisagem.
Até meus versos são ocos,
Sem ritmo,
Perdidos de toda a cadência,
Reféns da ausência
De qualquer sentido.

Hoje estou vazio,
Vazio de mim mesmo.
Quem sabe,
Amanhã eu retorne?
Só não quero,
Ao retornar,
Que encontre pelo caminho
A saudade de você.


S. Quimas


domingo, 29 de junho de 2014

Menino

O Menino e o Coelho - Henry Raeburn


De longe o menino
Que eu fui
Espia os meus dias de hoje
E sua curiosidade
Tem a imensidão
De todas as horas que vivi.
De lá,
Ele me faz caretas
E depois às gargalhadas
Ele ri.
Eta, menino travesso!
Ralho com ele.
Mas ele
Dá de ombros a mim
E faz cara de sonso
E de novo volta
A gargalhar.
Então quem ri
Sou eu
E rio tanto
Que o menino estranha
E de semblante triste,
Uma lágrima
Escorre-lhe pelo rosto.
Há muito
Não via minha risada,
Da minha face
Só lágrimas.
Dou-lhe adeus
E me vou,
Triste, volto ao pranto,
Pensando no menino que fui...
E no homem que sou.

S. Quimas

Só o que ouço em meus ouvidos

Arte: Olga Suvorova


Só o que ouço em meus ouvidos
São palavras tortuosas.
Seja em verso, ou em prosa,
Pura dor e sofrimento atroz.
Quem não sofreu?
Tu? Eu? Quem?
Este mundo absurdo
Não pertence à poesia,
Àquilo que ela confessa.
A poesia é verdade,
Não desta realidade tão pequena,
Mas de outra infinitamente maior.
O que fazer se os encantamentos se foram,
O que dizer se tudo foi?
Para que poesia, magia,
Num mundo de misérias sem fim?
Para nada e para tudo,
Para que o homem não esteja mudo,
À toda a sua angústia e medo,
Para que grite ainda que somente
Dentro de si mesmo,
Lá no âmago de sua alma,
E veja, que possa com um mero
Gesto transformar tudo,
O mundo inteiro,
Simplesmente... Sentir e amar.

S. Quimas

Não me creia poeta

Arte: Juan Cossio


Não me creia poeta,
Só psicografo o meu destino.
Ele fala assim tão intenso em minha alma,
Que dificilmente não o daria voz.
Quantas vidas vivi independente do teu ceticismo?
Muitas, não sei quantas. Vivo todas do mundo.
Queria só a minha.
Não sei se a vida é dor exatamente,
Mas a sinto, assim, completamente.
Onde a alegria? Os viços da primavera?
Sei lá... Não sei de mais nada.
A vida? Estrada, caminho...
E eu sozinho e é coisa demasiada.

S. Quimas

Meu espírito jaz na tortura da triste ausência tua

Arte: José Luiz Muñoz


Meu espírito jaz na tortura da triste ausência tua,
O teu querer me faz sofrer, pois distante estás.
Não sei quais as razões, se razões foram aquelas,
Que em todo o teu direito manifestaste a mim.
Não busco qualquer consolo, ao contrário,
Martirizo-me.
Não vês que minha poesia não se cala e que grito?

S. Quimas

Por que ler outro poeta?

Country Comfort - Steve Hanks


Por que ler outro poeta
Se estou repleto de ti?
Tu que és toda poesia,
O que me alimenta.
Tu serás e eu em ti,
Completamente assim,
Um só, indecifrável,
Indestrutível nó.
Apenas o que somos,
Uma única alma.

S. Quimas

Ida e partida fostes

Domenico di Pace Beccafumi - Inferno


Ida e partida fostes, o mesmo.
E me mergulhastes no vil degredo.
O mesmo que sustentei
Desde que o mundo ainda não era.
Tu sabes que não sou esta besta fera,
Que meu coração é luz.
Luz tão somente.
Do que adianta meu grito
Se tu não me ouves mais?
Que sou? Não importa,
Apenas fecha a porta e tranca,
Para todo o sempre, a eternidade,
Para que eu não sofra mais.

S. Quimas

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Infindas são as horas

Arte: Giuseppe Muscio


Infindas são as horas, ao menos na minha mente,
A poesia se estreita em tudo aquilo que deveria,
Mas não sou.
Meus amigos me abandonaram, incomodo.
Incomodo pelo que sou, um insano, um poeta.
— E teu alimento? Alimento-me de versos, respondo.
— Onde dormes? Durmo nos meus sonhos e devaneios.
Aliás, os vivo.
Não há como de mim afastar a minha loucura.
Meu pai toca flauta doce e ouço Debussy.
A sutilidade, o mundo nasce do coração,
Não do músculo estriado, mas do sentimento.
Não me quero preocupado, que me acabe,
Para que perdurar?
O prazer dura segundos, minuto se tanto.
Não sou poeta do pessimismo,
Aqueles que me assim acham não me compreenderam.
Sou a luz, uma única lâmpada mágica
Que se acende nas trevas,
Faço de toda a dor, poesia. Poesia? Da dor?
Não que eu queira que se alimentem
Todos aqueles que me leiam com defuntos,
Mas porque desejo que entendam
Que muitas flores nascem do estrume.

S. Quimas

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Minhas horas apaixonadas se vão

Arte: Jacob Collins


Minhas horas apaixonadas se vão,
São só a tristeza, a tristeza de não te ter.
Meu caminho é estreito, uma viela,
E fico saltando para lá e para cá
Entre o cocô de todos os cachorros.
Essa é a vida? A realidade?
Para quê a poesia, se tu não te importas?
Tu esvaziaste minha taça,
E pusestes nela todo sofrimento,
Agora minha poesia é só lamento,
Pranto que não cessa de jorrar.
Posso dizer como a ti amo? Novamente?
Não sei. Não me perguntes.
A única coisa que sei é esta,
A única, que vivo agora para te fazer
Estes versos que te falam do meu amor.
Nada mais.


Eu fico aqui compondo poesias para quê?

O Grito da Independência - Pedro Américo


Eu fico aqui compondo poesias para quê?
Elas livram minha alma, me acalmam?
A poesia só agrava todos os meus dias.
Nem sei se os meus versos sejam poesia.
A única certeza que tenho é nenhuma.
Minha vida é uma eterna bruma,
Um nevoeiro que destrói todas as minhas forças.
Mas, gozo com os versos que faço.
Como pode alguém ter prazer com versos
De tristeza e solidão? Sei lá, gozo.
Um dia, sei lá, numa Ave Maria qualquer,
Os fiéis os recitem.
Isso é coisa de um demônio, mas não sou?
Imagina a cena. Imagina se possível...
Nada é possível e possível é tudo,
Basta que se movam as peças
Nesse xadrez da vida de modo adequado.
Contudo, a minha incompetência é grande
E tremenda é a minha indiferença a isso.
Basta-me a arte, o canto, ou porcaria nenhuma.
A poesia, a poesia, ela sempre.
Desde a infância ela me domina.
Há os grandes, sou o menor dentre todos,
Mas enquanto tiver garganta, eu grito.
Pois o meu canto é forte,
Voz do Infinito!

S. Quimas

Hás de me dar o teu amor

Arte: Dante Gabriel Rossetti


Hás de me dar o teu amor.
Não tem segredo somos um
Queiras ou não, não te cabe
Esta precisa e certa decisão,
Cabe a Deus, ou seja ao que for.
Não viste no tempo que se foi?
Tu podes, muito por medo, sei,
Fugir, fugir, mas fugir não podes.
Não, porque és minha,
Mas por que tu completamente
Me és.
Crês que faço vãs poesias,
Não imaginas tu o poder,
Todo ele que me foi legado.
Insano, sim. Profecia.
Infame e impreciso? Sim.
Mas sei, contudo,
Que tu és o que sou,
E eu sou o que tu és,
Em parte, mas toda em mim.

S. Quimas

sábado, 28 de junho de 2014

Corpo, alma, sentimento e Eternidade

Arte: Santiago Carbonell


Como é escassa e trivial a minha poesia
Para declara-te o amor que por ti sinto.
Frágeis e insuficientes são as palavras
Para expressar a grandeza e infinitude
De todos os meus ternos sentimentos.
Ah, minha dulcíssima e pulcra senhora,
Nenhum poema pode ser tão completo
Que possa descrever o quanto eu sinto,
Esse desejo imenso de estar junto a ti.
Meu coração sofre, minha alma implora,
Que não seja já tardia a esperada hora
De enlaçar-te em meus braços ansiosos
E, aconchegando-te a mim, beijar-te,
Então incendiar-te de paixão e desejo
E, enfim, consumar em teu corpo o amor,
Motivo de todos os meus ternos versos,
Fazendo-te minha e me entregando a ti,
Corpo, alma, sentimento e Eternidade.

S. Quimas

Lamúrias

Arte: Alexei Antonov


Tu, querida, me despertas para o delírio,
O sonho há muito impossível de amar
E, em assim amando, também o sê-lo.
Há muito que da taça do meu coração
Só transborda vazios e muitas dores
E minha alma se tortura na indiferença,
Na repulsa, na indigna incompreensão
Do que em real sou e do tanto que dei,
Repartindo com prodigalidade a tudo,
Também a mim mesmo, por inteiro.
Sei que a vida é uma louca aventura,
Onde se sucedem bons momentos
E a eles graves descontentamentos.
Sim, eu sei. Aprendi-os pela dor.
Sim, minha querida, pois a minha vida
É muito isso, um desespero mudo
Que me esgota por completo,
E mesmo na minha risada farta,
A angústia de viver, dissimulada,
Teima em não desaparecer em mim.
Não sei se ainda posso ser feliz,
Se minhas mãos podem dar carinho,
E os afagos de outras, receber.
Nada sei, e tudo é muito impreciso
Em minha mente embotada
Pelo atroz sofrimento de meus dias.
Contudo, já te canso com minhas lamúrias
E, então, me despeço, saio da cena,
Pois a comédia da minha vida acabou.
Não há aplausos para o ator,
Só a tristeza da plateia esvaziada.

S. Quimas

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sexta-feira, 27 de junho de 2014

Toda bússola aponta para o norte



Toda a bússola
Aponta para o norte,
Mas a da minha vida
Não.
Sou barco incerto,
De rota imprecisa,
Que se arremessa ao mar
Tendo por destino
Os sonhos
E todas as fantasias.

Meu alimento
É a poesia
E se vazarem minha carne,
Verão que em minhas artérias
O que flui não é
Sangue,
Mas sensibilidade.

Meu pensamento
Pensa o mundo inteiro
E tudo o mais
Que caiba
Em meu coração,
Que é do tamanho
Do Universo todo
E muito mais além.

A minha dor
É imensa,
Mas maior ainda
É a minha capacidade
De amar,
De me entregar
Por completo
A tudo o que fizer
Morada em minha alma.

Sou a cruz
E o caminho ao Calvário,
Os ombros que a carrega
E as mãos que suplicam,
E aquelas que amparam
Na queda.
Sou o algoz
E o imolado,
O Cristo
E o crucificador.

Enfim, sou Tudo,
Sou poeta.

S. Quimas

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Ângelus


Angelus - Jean François Millet


O Sol vai mergulhando no fio do horizonte
E a canção serena se levanta enchendo o ar.
É doce a melodia, quase um murmúrio,
Entoada em uníssono pelo coro angelical.
Enquanto o céu se enche de rubras nuvens
E vai morrendo o dia com lenta mansidão,
Toda a Natureza se prepara para as trevas
Que vem com a noite que vai nascendo,
Fazendo, lá bem distante, surgir aqui-e-ali
Salpicos acanhados de pontos luminosos.
Então, tudo se aquieta por um momento,
E em prece a Natureza enfim adormece,
Mas rápido acorda, pois a escuridão chega
E com ela vem a lua, fogosa e bela amante,
Que a envolve em mil beijos até o amanhecer.

S. Quimas


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Das horas sabem os relógios

O Relógio Derretido - Salvador Dali


Das horas
Sabem os relógios,
Mas eu não pertenço
A tempo nenhum.
Não tenho rumo
Nem paradeiro,
Sou como o vento,
Sopro aqui,
Ali,
Em todo o lugar.
Sou como
Corisco que risca
O céu e troveja,
Que incendeia a mata,
Mas que ninguém
Consegue pôr a peia.

A tudo e a todos
Presto, sincero,
Veneração,
Mas a nada
Prendo-me
Se não for
Por minha vontade.
Nunca fui morto,
Porque jamais
Dei o pescoço
A qualquer carrasco.

Até as minhas dores,
Aquelas mais cruéis,
Em mim se fizeram
Janelas,
Poesia,
Para eu poder
Espiar para
Fora da minha vida.

Das horas
Sabem os relógios.
De mim,
Nem eu mesmo.


S. Quimas

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Infância

Arte: Eugenio Zampighi


A infância se mascara de tragédia e cresce,
Perde seu frescor e sua espontaneidade,
Permite-se ser mutilada em sua inocência
E troca sua pureza por roupas de marca.
Já não mais se exibe por sua graça natural,
Mas pela joia material buscando a inveja.
Endurece o coração na ganância do ter,
Esquece-se dos valores mais profundos
Do apenas viver desfrutando cada momento.
Perde a magia, pois pára então de sonhar,
Acreditando que sonhos são tolas fantasias
Que jamais se tornarão um dia possíveis.
Trancafia-se no calabouço de suas frustrações
E reprime tudo que não tenha um fim prático.
Assim a infância vai esfalecendo até morrer,
Até que seu cadáver seja só uma lembrança,
Gravada em fotos desbotadas de um álbum
Sepultado no fundo de uma gaveta qualquer.


S. Quimas

Minha casa sonha com um jardim à beira do lago

Lago - Vasily Dmitrievich Polenov


Minha casa sonha com um jardim à beira do lago.
Não é um jardim qualquer,
Ele é feito de estrelas e luares
E nele passeiam caminhos de amores,
Que carinhosamente vem abraçar o espelho d’água.

No sonho de minha casa
Cabem todos os por ela amados,
Que vêm dançar na largueza imensa de seu jardim.
E bailam, bailam, bailam
Num balé sem fim,
Rodopiando por entre os canteiros estrelados,
Enquanto a lua toca uma melodia mágica
Na sua harpa de mil cordas.

Quando todos partem,
Minha casa adormece
E de novo sonha
Um sonho dentro de um sonho,
Que jamais termina.
E segue assim sonhando
Por toda a eternidade.

S. Quimas

Lembra-te, meu filho

Estudo de um Bebê em seu Berço


Lembra-te, meu filho,
Das cantigas que eu cantava
Fazendo-te adormecer em meus braços?
Lembra-te das fraldas
Borradas que eu lavava
E da comida que as causava,
Que eu, brincando,
Levava à tua boca?
Lembra-te das noites febris,
Em que teu corpinho flamejava
E eu junto a teu berço
Rezava para que rápido
A cura viesse?
Lembra-te das brincadeiras,
Das correrias
E das guerras de travesseiro?
Lembra-te?
Ainda que tu nem de mim lembres,
De ti jamais esqueço.
Tu és e sempre serás
Meu filho.

S. Quimas

Le Mat

Le Mat (O Louco)


A poesia vem, simplesmente vem...
Ela fala em minha mente e mais nada.
Sempre foi assim, desde menino,
Se um menino eu fui como os outros.
A minha história é triste,
Como muitas são,
Mas transformei as dores em poesia.
Do esterco da minha vida
Cultivei flores que se abrem em luz.
Luz e poesia, sempre.
Não há crueldade no destino,
A vida é o que é.
Não que eu me conforme,
Constato.
Lucidez na orgia do sonho.
Quantos estiveram comigo
E nunca de fato se fizeram presentes?
Não porque não os sentisse perto,
Mas porque a mim estavam alheios.
Eu passo por aqui como uma sombra
Que causa arrepios,
Um momento de perplexidade
E já vou tomando caminho,
Pois o que vivo é caminho
E jamais lugar.
Não há pouso para minha alma.
Onde me aconchegar?
Lugar nenhum...
Apenas sigo,
E no ar uma melodia
Que parece Chopin.
Reconheço os acordes,
Sim é.
E sigo, ainda que um cão
Morda-me a bunda.

S. Quimas

Eu parto da ausência de mim mesmo

Touch and Go, to Laugh or No - Sophie Gengembre Anderson


Eu parto da ausência de mim mesmo,
De tudo o que não fui e de tudo o que sou
E sendo o que sou, e porque, jamais serei,
Mas em mim há todas as possibilidades.
Ah, que destino o do poeta! Nenhum.
Não há rota, nem carta desenhada que o revele.
O poeta vive e cada dia é uma incógnita.
Sabe-se lá a poesia, sabem-se lá os versos.
Tudo é bruma, toda possibilidade.
Não pertenço à minha encarnação,
A que pertenço? Não sei precisar.
Acho que à nada e a tudo ao mesmo tempo.
Muitas das minhas falas são desconexas,
Puro delírio, coisa da minha cabeça,
Mas que se preste atenção, verdades.
Digo o que jamais aprendi e além...
Porque a verdade não se aprende.
A verdade está marcada a fogo no coração.
E a razão, dirão os cientistas?
Ora, à ciência cabe explicar,
À poesia só cabe encantamento,
Cabe enlevar, a transcendência.
Poesia nenhuma jamais quis
Ser para o mundo ciência,
A poesia só se faz para ser sentimento.
Um único... Amor que se projeta
Além do pensamento,
Luz que se espraia, onde as trevas vingam,
Amores impossíveis e paixão,
Os mais loucos, alucinados, terminais.
A poesia é luz,
Luz que vem e nada mais.
Responda-me, tu que lê estes versos,
Donde a dor é motivo de beleza?
Mas, mesmo da maior tristeza o é.
A poesia é assim,
Um poço sem fim.

S. Quimas

Meu coração está de luto

Amantes no Campo - Gustave Courbet


Meu coração está de luto
E já não bate com força,
Rendeu-se a seu destino,
E já não faz mais juras,
Porque do amor, sim,
Do amor não pode mais.
Fechou-se a cortina,
Foi-se o último ato,
Nada mais a representar.
A vida é assim,
Mero, banal teatro,
Uma falácia da existência,
Que tenta nos convencer
De que tudo é possível,
Mas o amor não o é.
E o que me importa
Os restos da defunta vida,
Se o que mais me importa
É o amor.
Esse que me consome,
Que à minha alma aprisiona,
Que hora são flores,
Mas muito mais espinhos.
Não sei o porquê
De toda poesia que faço,
Se meu canto já não ouves
E eu que te amo mais que tudo,
Apenas definho.

S. Quimas

Pinto nuvens nas poças de lama



Pinto nuvens nas poças de lama,
Num universo que jamais existiu
E se houve, nele não vivi.
Só a minha poesia o sabe
E da chuva que abraçou a terra,
Criando as poças onde desenho.

São nuvens de diversas formas,
Umas, redemoinhos,
Outras, feito carneirinhos
Que saltam alegres
As cercas sem travessão.
Mas se lhes dei vida
No desenho que fiz,
Também lhes dei imaginação.
E, assim, brincam de faz-de-conta,
Pondo madeiras onde só há vazio.

Hoje eu mesmo já não sou eu,
Sou menino,
Um moleque agachado
Brincando na lama.
Essa criança
Jamais cresceu,
Vive sempre menino
E vai estar ali,
Rindo a mais querer,
Se divertindo
Pintando nuvens nas poças de lama.

S. Quimas

Os homens precisam de sonhos

Arte: Anton von Werner


Os homens precisam de sonhos
E eu de mais nenhum.
Tenho a poesia,
Esta infame sedutora,
Que me consome por completo.
Quem tem tão fogosa amante,
Não precisa de mais nada,
Nem do pão, nem do abrigo,
De nada.
Sofre o corpo, faz-se versos.
Se a alma, outros tantos.
E tudo é razão de poesia.
A menina que brinca com sua boneca?
Poesia.
O vento que varre a poeira do chão?
Poesia.
A boca que encarna mil beijos?
Poesia.
Todos os amores e todos os desejos?
Poesia.
E ela, só não haverá, poesia,
Para uma alma de tudo vazia.

S. Quimas

A neblina escorrega pelas montanhas

Arte: Alfred Thompson Bricher


A neblina escorrega pelas montanhas
Como em um tobogã.
Vem ligeira movida pela brisa gélida.
É o Inverno que bafeja,
Marcando o tempo de sua presença.
Longas noites se passam
E os dias fugindo do frio se encurtam.
Já não há tanto calor,
Nem nas horas em que o sol se mostra.
Tudo lá fora adormece
E eu fico olhando pelo vidro da janela,
Flertando com a Primavera.

S. Quimas

A única metade da missa que do poeta sabem é a de Réquiem

O Cavalo Branco - John Constable


A única metade da missa que do poeta sabem é a de Réquiem.
Da sua vida têm suas poesias, delírios transportados para o papel,
Mas não o têm, nenhuma fração de sua alma que não seja versos.
Só conhecem suas dores em seus escritos lamuriosos,
Naquilo que deixa escapar das muitas chagas que lhe são o inferno
A lhe torturar o coração, pois sua vida é um flagelo
E o látego de todas as vidas se abate sobre ele.
Ainda que caminhe com passos firmes, o poeta se prostra,
Pois em seu caminho vê gente que padece sempre de algo.
É como um mata-borrão que suga todo o veneno do mundo
E o regurgita em forma de belas linhas, ainda que fale de dor.
Mas o que bota para fora já não é o veneno que sorveu,
Pois o veneno guarda em si. Ao mundo só a beleza,
Sempre as flores libertas de todos os seus espinhos.
Muitos o imaginam um deus sentado em um trono,
Banhado de eterna luz, compondo suas estrofes magistrais.
Ninguém o vê como realmente é, e nem querem,
Precisam de deuses para que adorem e se sintam imortais.
A única coisa imortal na vida de um poeta é o desespero,
Uma angústia lancinante que se oculta em todo sorriso,
Que se disfarça de arte e burla a toda a visão.
Ainda que fale de amor, que escreva da paixão,
Fala de um amor e de uma paixão ideais.
O que reparte é tão imenso, tão absoluto,
Que não encontra eco, só ouvidos que ouvem, olhos que leem.
Quem poderá sentir o que sente, senão ele mesmo?
Se não fosse assim não haveria propósito em fazer poesia
E na poesia cantar a tudo o que lhe toca o espírito.
Se canto surge, pois a alma não lhe sustenta a imensidão do ser,
E transborda, derrama-se em jorros de pura sensibilidade.
Ninguém ama o poeta, ama a sua poesia, mas não a ele.
O poeta nasce só, vive só, e morre só.
Só Deus o sabe, porque Deus em tudo vive
E escolheu o poeta para viver o infinito de todo sentimento.
Ainda que tudo passe, a poesia jamais passará.
Ela é o Canto Divino, a canção que criou todo o Universo.
“Faça-se” e do Nada surgiu o Todo,
Mas a poesia não pertence a tempo nenhum.
Está além, muito antes do Princípio
E muito além da Eternidade.

S. Quimas

terça-feira, 24 de junho de 2014

Sobre a arte-lixo

Retrato do Dodge Leonardo Loredan (1501) - Giovanni Bellini


Não se preocupe se hoje as galerias de arte estão abarrotadas de lixo, sempre foi assim. Contudo, aquilo que há de sobreviver à revelia do gosto (ou do mal gosto) de uma época o fará, independente de que no momento receba os louvores da crítica e ornem as paredes de gente abastada.
Numa época em que a mediocridade e o "trash" são exaltados, não há de se depositar muita importância aos juízos. Não é só o dito populacho que consome a esterqueira midiática, ou por ela é influenciada, também muita gente que se julga culta ingressa nos caminhos da cultura do pior-melhor para não aparentar alienação.
No fim, tudo se acomoda, se resolve. Assim o tempo aponta. Assim ele traga seus filhos ineptos.

S. Quimas

Em vão eu busco a poesia perfeita

Paisagem da Vestfália


Em vão eu busco a poesia perfeita,
Aquela que enlaçará o teu coração
Nessa toda paixão que por ti sinto.
Minha alma clama a tua presença,
Pois já minhas horas são todas tuas
E a tua recordação, o meu pensamento.
Se não podes ouvir o som da minha voz,
Então, que o acaso faça com que leias
Estes versos de amor que para ti fiz.
Quem sabe? Possas assim acreditar
Que o amor, por mais distante seja,
É ponte que liga uma a outra estrada
Onde poderemos juntos caminhar.
E, assim, lá no fim do caminho,
Aconchegar-te-ei em meus braços
E dar-te-ei, com carinho, um beijo.

S. Quimas


As minhas horas são todas a minha ruína

Cavaleiro na Estepe Russa - Christian Adolf Schreyer


As minhas horas são todas a minha ruína,
Um calabouço sem fim que me aprisiona
A esse mundo desconexo e absurdo.
Ah! Poesia que me faz assim sofrer.
Sou o quê? Um alucinado só isso.
Rima maldita que me persegue, assim,
Um poço sem fundo.
Quero apenas tu,
Poesia, sem rima, sem métrica, verso,
Apenas uma construção impensável,
Mas que seja justa, imortal,
Aquela, toda ela, que me fale ao coração.
Não há razão para que não dissesse.
Sou apenas um poeta, talvez nem isso.
Aquele que traduz em versos o amor.
Ah, o amor! Que é ele em si? Devir? Jamais?
Coisa imprecisa, um sentimento.
Do amor, o poeta fala com elegância,
E por que, por que, e por quê?...
O poeta fala do que sente,
Mas o jamais verdadeiramente real,
O correspondido,
Algo que lhe seja dedicado.
Eu procuro por abelhas...
Sim, simplesmente abelhas.
Ah! A flor. As abelhas,
E talvez nada mais.

S. Quimas

A minha lucidez é sinal de morte

Auto-Retrato - Gustave Courbet


A minha lucidez é sinal de morte,
Daqui parto. Não há dor nisso.
Nenhuma. Retornar...
Ah, que felicidade!
Eu que tenho sido execrável
Para esse mundo, um pária.
Que faço aqui se não sou conforme?
Se minha alma incomoda?
Eu que faço poemas e sou abjeto?
Leiam-me todos.
Ou nenhum...
Não importa.
Não procuro público. Não.
Procuro sensíveis...
Pessoas que como eu
A palavra ainda importe.
Que digam ainda algo.
Estou calmo.
Simplesmente, perfeito.
Não seria assim?
E tu? Onde estás?
Eternamente no que Sou.
Não és lembrança...
És presença. O que sou.
És toda minha vida.
Mas onde estás
Que não ouves a mim?

S. Quimas

Canto a canção do mundo

A Jangada do Medusa - Théodore Géricault


Canto a canção do mundo,
A canção da dor de quem grita em meio às trevas.
O clamor dos renegados,
Dos espíritos exilados de estrelas distantes,
Muito além do pensamento;
Da visão que se cega à nossa miserável condição,
À toda a agonia a que nos submetemos em nosso degredo.
Nasceu-me a Luz e minha voz não se esgota no clamor
E hei de estender minhas mãos enquanto uma alma houver
Na escuridão traiçoeira pedindo ajuda.
Sou aquele que permanece fiel até o fim das suas forças,
Até que se esgote um fio de vida.
Sou a aurora não vista, servo de todos,
Um daqueles que vieram para abraçar àqueles de boa vontade.
Nunca fui um abençoado, mas abençoado sempre com Vida,
Vida que está acima da vida, de todas as causas menores.
Não sou existente, sou impermanente,
Lacaio de toda a esperança que jamais se rende.
Sou poeta desse mundo tão desigual, tão vil, tão falacioso.
Sou sua voz e testemunha de sua pequenez,
De todas as suas mais profundas misérias e iniquidades.
Mas, também sou aquele que ilumina,
Que do amor fala, não como inatingível, porém vivido,
Palpável como a brisa que roça arrepiando a pele.
Do amor eu falo, contudo não por sua constância em tê-lo,
Porém de tê-lo em verdade profundamente sentido.
Não preciso de testemunhas que corroborem com meu dito,
O que sinto pertence a mim, e a tudo com que compartilho.
Em minha poesia eu não falo mentiras — até omito para que o seu
Tremendo peso não seja como o soco de um boxeador.
Não há inverdades nas minhas palavras,
Só há total sentimento, só há o grito que grito, nada mais.
Não há imitação de estilos, ou muita concisão em minhas palavras.
Minha poesia é minha. Nunca tive ídolos.
Não perco tempo entregando minha alma
Para aquilo que é passageiro.
Sou parte de mim mesmo e da minha totalidade.
Não preciso de deuses que não são aquilo que eu seja em mim mesmo.
Tenho dito coisas que o mundo queria dizer, mas não tinha virilidade.
Não porque seja eu Homem, mas porque havia de dizer e mais nada.
Outras digo e que não soam bem ao ouvido de uns.
O que posso fazer? Se é que isso me ocupa de algum modo.
O que tenho a dizer, digo. Exatamente, mais nada.
Não para aliviar a carga imensa de minha alma,
Mas porque tenho que dizer. Uma imposição do meu espírito.
Por que faço poesia? Sei lá. Vem... Só isso.
Nem sei se o que faço é verdadeiramente poesia.
É esse jorro, uma profusão de palavras que me tomam por completo.
Não espere que eu tenha domínio sobre isso,
Sou o meio, não a causa, e não o fim.
Você sabe o que é sentir o peso da carga do mundo sobre si?
Não? Então seja poeta e saberá...
Saberá nos mais pequenos e ínfimos detalhes.
Terás momentos de beleza incomensurável
E outros de agonia dilacerante.
Assim é o poeta, alguém que vive no limbo.
Acho que vou terminar este poema,
Sinto-me esgotado.
Não pelo esforço de escrevê-lo. Amo poetizar.
Contudo, por que devo fazê-lo?
Para que todas as minhas palavras
Em uma só coisa se justifique:
Amor, amar, simplesmente.
Nada mais a alegar,
Só a lágrima que escorre pela minha face...

S. Quimas

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Sutil

Reflexão - William Bouguereau


Sutil... Quantas palavras, mas sutil é a mais poética.
A sutilidade é a ponte que conquista toda alma.
É dizer quase sem falas, é toque de uma delicadeza
Que no mundo não há comparação.
É um beijo que escorre pela pele, arrepiando.
É a mão que docemente escorrega pelo corpo,
Enchendo-o de todo prazer.
Assim é. Sutilmente, delicadamente
Percorrendo a geografia da pele,
Descobrindo caminhos que jamais foram mapeados.
É a sabedoria revelada de quem se entrega
Ao total prazer de que o outro o tenha.
Sutil, como pousa uma pena arremessada no ar:
Sem planos, apenas o prazer de ter prazer na descoberta,
E assim com toda a amabilidade se dar completamente.
Nessa toda entrega não se importar consigo,
Mas se importa com o outro, e tem como obsessão
Que o prazer do outro seja antes o próprio prazer.
Sutil... Como os tons das árvores numa floresta,
Como os fraseados de uma música divinal.
Sutil, apenas ser.

S. Quimas

domingo, 22 de junho de 2014

Queria a tudo e somente a ti

Estudo de uma Face de Mulher Loura - William Bouguereau


Queria a tudo e somente a ti,
Sem rimas, métrica e versos,
Assim, total e insana poesia.
Enlaçar-te em meus braços,
Tomar todo o teu corpo
E fazer-te somente minha,
Somente minha...
Ai, que dor! A dor sentida,
Porque tu distante estás.
Nem o sabes, nem concebes,
O quanto eu te desejo.
Se não o te disse
Foi por pudor, foi a solução
Para que não me desprezasses,
Para que não me evitasses.
O quanto te quero
E não posso confessar.
Mas, te faço nestes versos,
Pois tu podes um dia lê-los.
Quem sabe?
Um dia podes tu por mim,
Enfim, te apaixonar?
Fiz-te versos, e tu?
Nos meus versos
Acaso me sentiste?
O quanto me apaixonei?
Eu não sei. Nem de mim sei.
Sou este,
Apenas um apaixonado teu.

S. Quimas

Canto a flor que se abre e vocifera a nossos olhos, ainda

O Filho Pródigo - Magdalena Almy


Canto a flor que se abre e vocifera a nossos olhos, ainda.
A criança que sorri e grita em suas brincadeiras, ainda.
Canto a floresta enxameada de árvores, pássaros, vida, ainda,
Os rios límpidos que serpenteiam até o mar, ainda.
Canto a todos os de boa vontade que são capazes
De se dar por completo sem pedir nada em troca, ainda.
Canto a poesia e os poetas que semeiam seus sentimentos
Nos mais belos versos, dando seu coração nas palavras, ainda.
Canto o meu canto e tudo muito mais além, ainda.
Canto... Canto uma canção sem versos e palavras,
Que é só pureza e sentimento, que brota do coração, ainda.
Porque o tempo urge. É do amor, pelo amor e só,
Que tudo surge, que toda vida se faz. Ainda.
Quem ainda não compreendeu na sua ignorância?
Ainda que eu falasse a língua de Deus... Ainda.
Ainda que o amor que eu dedicasse não fosse sincero?
Que minhas palavras e sentimentos todos fossem vãos?
Que meu próprio ser e o que sou não bastasse? Ainda...
Ainda que nada disso existisse e que promessas
De redenção não tivessem sido feitas. Ainda
Que a miséria fosse solução para o estigma de viver,
Libertação do kharma, extinção das penas. Ainda
Que tudo fosse diferente ou exatamente o mesmo,
Não seria de modo nenhum diferente do que é.
Ainda... Ainda... Ainda...
Tudo, exatamente, tudo ainda é, como sempre foi,
Um passar de horas no tempo que se percebe,
Ou não... Ainda.

S. Quimas

sexta-feira, 20 de junho de 2014

A hora é chegada, amor

Noite de Primavera - Alphonse Mucha


A hora é chegada, amor.
A primeira luz da aurora
Penetra pelas frechas da janela.
Tenho que partir,
Mesmo que não queira, tenho.
É hora de ir,
De deixar o calor dos teus braços,
O doce sabor dos teus beijos,
Os carinhos e afagos teus.
Deixar o cheiro do teu corpo
E as marcas nos lençóis
Do amor que vivemos.
Mas aquieta-te, meu terno amor,
Virá a noite novamente
E antes que a lua nasça
De novo estarei contigo,
De novo nos amaremos
E pela manhã, só pela manhã,
De novo partirei,
Mas à noite, mais uma noite,
Voltarei para ti
E assim farei,
Deus o queira,
Por toda a Eternidade.

S. Quimas

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Quero aqui fazer uma homenagem

Piedade - Michelangelo Capresi Simone


Quero aqui fazer uma homenagem.
Uma homenagem às boas coisas,
Àquelas com que a vida nos regala.
Não sei exatamente quais são,
Mas as sei boas, só as sei belas.
Não sou somente o poeta do infortúnio,
Aquele que só canta o mau fado.
Sou também aquele dos amores,
Dos muitos e infinitos encantamentos.
Às vezes rimo e metrifico.
De outras... De outras, não.
A minha poesia requer liberdade e não servidão.
É canção controversa, mas sincera.
Se estiver sóbrio — e quem o pode inspirado? —
Falo de muitas coisas, mas sempre sinceramente.
Não sou o infeliz de muitos versos,
Porém incorporo a aflição do mundo.
Sou poeta! Sou louco, vagabundo...
Rei sem reino, criatura que escorrega na areia do tempo,
Um sem alma, mas que possui todas as almas do mundo.
Uma vez perguntaram a mim: por que fazem as crianças,
Com tanta naturalidade, xixi na rua?
Porque para eles o pinto é para fazer xixi.
Não há obscenidade no pênis, na vagina e no ânus.
Isso é coisa de gente que não se acostumou a viver
E, principalmente, de gente que se esqueceu
Que nasceu nu.

Eu não vim ao mundo para fazer qualquer sentido

Vésper, a Estrela do Anoitecer, Sagrada para os Amantes - Sir Joseph Noel Paton


Eu não vim ao mundo
Para fazer qualquer sentido.
Vim, isto sim,
Para te fazer perder os sentidos,
Desfalecer em meu leito,
De amor e êxtase.
Vim para cegar-te para tudo mais
Que não seja a nossa Luz,
Embotar-te a respiração
Com o cheiro do suor da nossa volúpia,
Calar-te a boca com um beijo
E tocar-te o corpo como a uma flor,
Suave e carinhosamente.

Eu não vim ao mundo
Para mais nada...
Só vim simplesmente
Para viver-te.

S. Quimas

Tu me perguntas se tudo sinto naquilo que escrevo

O Poeta Pobre - Carl Spitzweg


Tu me perguntas se tudo sinto naquilo que escrevo.
Como me seria possível não fazê-lo?!
Já não sabes o que é ser poeta?
Poeta é aquele que carrega o fado do mundo
Num cesto trançado de sentimentos preso às suas costas.
O poeta não imagina, ele vive seus versos,
Cada letra, cada mera palavra, em tudo o que lhe nasce da alma.
Delírio? Loucura? Possa sê-lo.
Mas nenhum verdadeiro poeta é feito da mesma substância
Com que moldou a Vida os outros.
É feito de viver os outros
E não somente a própria vida.
Se é que a tem, pois tudo está em si tão assimilado,
Que já se confunde com o mundo inteiro
E dele já não se reconhece mais.
O poeta lavra a palavra como um escultor
Que se apaixona perdidamente por sua própria criação.
Até as mais horrendas, aquelas que podem lhe matar o coração.
Horas se desfaz em pranto lamurioso,
Noutras em alegria e prazer sem limites.
É assim e não há razão para que seja de outra forma... É poeta.
O poeta tem a dimensão do mundo inteiro, do Universo,
Incrustado em um grão de areia: a sua poesia.
Como algo tão imenso, tão colossal, pode ser contido
Em algo tão pequeno e singelo?
Pois aí está o segredo que só aos poetas é revelado.

S. Quimas

O pranto e a dor se fazem meu triste canto

A Tristeza de Orfeu - Pascal Adolphe Jean Dagnan-Bouveret


O pranto e a dor se fazem meu triste canto,
Nas linhas que ao mundo desleal escrevo,
Pois minh’alma é só horrendo desespero,
Tortura que não passa, sinistro lamento.
Já ser feliz e ter a paz eu não me atrevo,
Que a vida se consuma é o que espero.

O mundo tem belezas, mas a elas estou cego,
O meu sofrer é maior do que a visão.
E, assim, apenas deixo a vida passar
E a coisa nenhuma mais eu me apego,
Senão à minha agonia e à desilusão
Até que a vida vá afinal me matar.

S. Quimas

Lá fora a chuva cai e eu me lembro de ti

Arte: Paul Lasaine


Lá fora a chuva cai e eu me lembro de ti.
Não é só a chuva, mas tudo te traz à minha lembrança:
A brisa tépida despenteando os meus cabelos,
O cheiro das flores que colho pelo caminho em uma manhã qualquer,
Aquela criança no parque que outro dia me sorriu
E me causou a mais profunda emoção — as crianças sempre causam —,
O som festivo das maritacas, que chegam sempre à mesma hora
Para se alimentarem das sementes das palmeiras no jardim,
A música romântica que toca em um rádio em alguma casa da vizinhança,
Enfim, a ânsia que tortura o meu corpo buscando o teu,
Minha boca que deseja teu beijo, que é como um sonho
Que se sonha num abraço mesmo desperto.
Recordo-te e parece que te vejo ainda deitada nua em meu leito,
Tão bela, tão sedutora, razão de todo o meu desejo.
Enquanto cai a chuva, eu permaneço aqui em silêncio,
No mais completo devaneio.
Quase posso te tocar com minhas mãos, tão real tu te fazes para mim,
Porém um trovão freme as janelas de meu quarto
E, assim, desperto. Só vejo à minha volta as paredes e os móveis.
Levanto-me. Estou com sede.
Quando caminho em direção ao jarro d’água, tropeço em algo.
É teu retrato que mandei emoldurar.
O vidro se partiu em pedaços,
Feito qual, quando tu foste embora,
O meu coração.

S. Quimas

Site de Paul Lasaine: http://lasaineportfolio.blogspot.com.es/

Mais e muito mais distante te vejo

Arte: Alexei Antonov


Mais e muito mais distante te vejo
E meu pranto farto a face desce,
Com tua dorida ausência doidejo
E a minha terrível aflição só cresce.

Abandonaste a mim tão rápido,
Não te pude na hora impedir.
Estava fraco, por demais tórpido,
Que te permiti para sempre ir.

Agora, fico aqui inconsolado,
Miríade de versos fazendo-te,
Ansiando estares ao meu lado
E doces juras de amor dizendo-te.

Mas entendo que nunca mais virás
E me resigno com todo o sofrer.
Seguirei esta sina tão tenaz
E amar-te-ei até enfim morrer.

S. Quimas

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Jamais um anjo

Anjo da Tarde - Alexandre Cabanel
Jamais um anjo,
Diz a ciência,
Voaria com as asas
Que tem,
Mas eu que
Não tenho nenhuma, sim.
Basta que tu me digas:
— Vem!

S. Quimas

Em mim ainda resta muito de ti, senão tudo

Arte: Alexey Gorovin


Em mim ainda resta muito de ti, senão tudo...
Na taça ainda não lavada a marca da tua boca,
Doces lábios que eu quero tanto beijar, contudo
Já não posso e minha esperança faz-se pouca.

Não creio mais que um dia tu voltarás para mim,
Que abrirei a porta e o teu perfume delicado
Retorne impregnando todo o ar à volta, enfim,
Que perdoes a mim e a todo o meu triste pecado.

Eu sei, não há perdão possível, não vindo de ti.
Fiz-te sofrer, mas não foi por desejar fazê-lo,
Mais dor do que tu, ainda maior que a tua senti,
Pequei muito mais por adorar-te e pelo zelo,

Do que por qualquer muito grave e indigna ofensa,
Que em qualquer momento possa ter cometido
E, hoje, colho do amor que dei a indiferença,
O teu silêncio que me sufoca e faz perdido.

S. Quimas

Ah! Meu derradeiro e imortal amor

Garota com Brinco de Pérola - Johannes Vermeer


Ah! Meu derradeiro e imortal amor,
Todas as minhas escassas horas se esgotam,
A vida passa e nela só cabe a dor,
Nem mais meus amados versos me confortam,

Nem a tua terna lembrança é capaz,
De resgatar meu desejo de viver,
Pois o destino me foi sempre falaz
E, por fim, furtou-me a chance de te ter.

Já não há quase sol, só o crepúsculo,
E meus olhos vão se fechando então,
Findou a esperança, fechou-se o círculo.

Dá suas finais batidas o coração,
E entrego meu espírito a Deus.
E só resta-me, por fim, dizer-te adeus.

S. Quimas

Sou poeta de todas as dores e tristezas do pobre mundo

Retrato do Desespero - Matt Miller


Sou poeta de todas as dores e tristezas do pobre mundo,
Como não poderia sê-lo se há tantas aflições por todo lado?
Por onde quer se passe há sempre se vê alguém torturado,
Alguém que esteja sentindo em si um desgosto profundo.

A felicidade completa nessa insana vida não é possível,
Só tímidos momentos de alegria descontínua e frugal.
O Bem sufoca nos recônditos, onde vil impera o Mal,
E resta ceder à sua impotência o homem compassível.

Crianças famintas, mães desoladas, filhos da infame apatia
Daqueles que têm o poder, mas em si, não a boa vontade.
São cruéis, exploradores das fraquezas da humanidade,
Submetem os povos à miséria, entronados em sua ufania.

Só o poeta, só ele que sofre em seus versos tamanha dor,
Faz-se do mundo o arauto, o grito que ao abismo escancara.
Só o poeta é capaz de gerar das trevas luz tão bela e clara
E fazer chegar preces por compaixão a Deus Nosso Senhor.

S. Quimas

terça-feira, 17 de junho de 2014

Não te escandalize, amor, com meus versos obscenos

Arte: Iva Troj


Não te escandalize, amor, com meus versos obscenos.
Como falar de ti sem paixão, sem todo esse desejo imenso
De possuir-te a cada hora? De envolver-te em meus braços
E beijar-te a boca, como quem sorve o doce de uma fruta madura?
Quando olho os teus seios túrgidos de mamilos tão delicados, fervo.
São tão perfeitos, que não há como evitar tal encantamento.
Teus quadris de curvas bem traçadas são estradas
Que me levam aos portões do Paraíso
E quando bailam em meu leito, fazem-me explodir de prazer.
Tuas pernas são colunas que nem o mais primoroso Carrara
Poderia representar a sedosidade e a beleza harmoniosa.
Nada se compara a ti, meu terno e imortal amor,
Nem teu reflexo é tão belo quanto tu és em ti mesma.
Tu és a amante mais completa e tens a virginal pureza dos anjos.
Não te escandalize, amor, com meus versos obscenos,
Pois são palavras sentidas que transbordam do meu coração.

S. Quimas

Minha vida é um poço sem fundo



Minha vida é um poço sem fundo,
Um abismo em que meus dias se arremessam.
Até os amores que tive me afligiram.
Se me amaram, não sei,
Porque do amor só recebi desgosto.
O único ente que me aconchegou em seu seio
E ainda permanece fiel à minha paixão é a arte.
Dessa não me queixo. Sempre está a me consolar.
Mesmo em meus momentos de maior dor,
A arte faz do meu sofrimento poesia,
É a minha voz.
Voz não, grito...
Não sei se culpo a mim mesmo ou ao destino
Por essa tragédia que é o meu existir.
Eu debruço sobre o parapeito das minhas tristezas
E meus olhos se arregalam para a imensidão do mundo,
Mas, mesmo assim, não consigo ver um palmo à minha frente.
Não há esperança, a dor me fez cego para a felicidade
E isso só me torna ainda mais infeliz.
Se quem lê meus versos se cansa da minha ladainha,
Melhor é que não os leia mais.
Vai poupar-se de toda essa amargura,
Pois a poesia acaba por contaminar a quem a lê.
Essa é a arte, a sua finalidade, imiscuir-se na alma alheia.
Eu já não tardo em deixar a pena,
Pois se fosse confessar em meus poemas
Tudo o que se passa em meu espírito,
Faltaria papel nesse louco mundo para tal intento.
Assim, melhor que cesse,
Que torne minhas linhas mudas,
Que cruze as mãos sobre o peito
E apenas me deixe morrer.

S. Quimas

segunda-feira, 16 de junho de 2014

A estrada nua se abre para o abraço da floresta

Rebanho na Floresta - Ivan Shishkin

A estrada nua se abre para o abraço da floresta,
Que a recebe feito a amante que dócil se entrega.
A estrada segue serpenteando, penetrando-lhe
O seio, descortinando seus mais íntimos mistérios.
Pela estrada passa toda a gente: os que buscam algo
E todos aqueles que nada, pois há muito acharam.
Há os que busquem sonhos perdidos na paisagem,
Outros, aturdidos e desesperados, só encontram
Nas formas que se perdem nas sombras, pesadelos.
A estrada nada tem de especial, nem a floresta,
São apenas uma estrada e uma floresta comuns.
Ah! Mas há os olhos que produzem encantamentos,
Que veem onde nada há para ser visto de especial
Ou os que se enceguecem para tudo aquilo que é raro.
Há também os ouvidos que não se apercebem das aves
E de todo o seu canto mavioso e do farfalhar das folhas
Lambidas pelo vento, que também varre a poeira
Semeada na estrada que traça caminho pelas árvores.
Mas há também os ouvidos que ouvem as fadas,
Esses mais do que ouvem, pois escutam o inaudível.
Passa muita coisa pela estrada a todo o tempo,
Pela estrada passa mesmo de ti toda a minha
Inteira e infinita saudade. Na estrada passa
Mas não em meu coração.

S. Quimas

Quando eu penso em ti, meu doce amor

O Mundo de Christina (detalhe) - Andrew Wyeth

Quando eu penso em ti, meu doce amor,
Todo o meu transtornado espírito se enleva.
O mundo que era então só cinza toma cor,
Faz-se luz onde antes somente havia treva.

A minha vida se torna muito mais amena,
Até a minha maior dor então se alivia
E, assim, minha alma torturada, serena.
Teu amor me cura dos males que havia.

Tu és para mim, meu derradeiro amor,
A lembrança imorredoura que perpetua,
Tu és o meu jardim do Paraíso, és a flor,
És o sol e o seu fulgor, e à noite a luz da lua.

Ah! Senhora de todos os meus sonhos,
De todos os meus desejos e momentos,
Daqueles alegres e doutros tristonhos,
Vem curar-me de meus sofrimentos,

Vem, encurta todos os teus caminhos,
Toma-me nos braços, beija-me a boca,
Dá-me os teus caros e ternos carinhos,
Sacia o meu corpo e essa paixão louca.

Ou então, meu amor, simplesmente,
Repousa a tua cabeça em meu peito
E fica em silêncio completamente.
Confortada desse tranquilo jeito,

Ouça a canção que toca o coração
Que pulsa em meu peito, e devaneia.
Sinta o encantamento e a emoção,
Que à minha alma de todo enleia.


S. Quimas