terça-feira, 24 de junho de 2014

Canto a canção do mundo

A Jangada do Medusa - Théodore Géricault


Canto a canção do mundo,
A canção da dor de quem grita em meio às trevas.
O clamor dos renegados,
Dos espíritos exilados de estrelas distantes,
Muito além do pensamento;
Da visão que se cega à nossa miserável condição,
À toda a agonia a que nos submetemos em nosso degredo.
Nasceu-me a Luz e minha voz não se esgota no clamor
E hei de estender minhas mãos enquanto uma alma houver
Na escuridão traiçoeira pedindo ajuda.
Sou aquele que permanece fiel até o fim das suas forças,
Até que se esgote um fio de vida.
Sou a aurora não vista, servo de todos,
Um daqueles que vieram para abraçar àqueles de boa vontade.
Nunca fui um abençoado, mas abençoado sempre com Vida,
Vida que está acima da vida, de todas as causas menores.
Não sou existente, sou impermanente,
Lacaio de toda a esperança que jamais se rende.
Sou poeta desse mundo tão desigual, tão vil, tão falacioso.
Sou sua voz e testemunha de sua pequenez,
De todas as suas mais profundas misérias e iniquidades.
Mas, também sou aquele que ilumina,
Que do amor fala, não como inatingível, porém vivido,
Palpável como a brisa que roça arrepiando a pele.
Do amor eu falo, contudo não por sua constância em tê-lo,
Porém de tê-lo em verdade profundamente sentido.
Não preciso de testemunhas que corroborem com meu dito,
O que sinto pertence a mim, e a tudo com que compartilho.
Em minha poesia eu não falo mentiras — até omito para que o seu
Tremendo peso não seja como o soco de um boxeador.
Não há inverdades nas minhas palavras,
Só há total sentimento, só há o grito que grito, nada mais.
Não há imitação de estilos, ou muita concisão em minhas palavras.
Minha poesia é minha. Nunca tive ídolos.
Não perco tempo entregando minha alma
Para aquilo que é passageiro.
Sou parte de mim mesmo e da minha totalidade.
Não preciso de deuses que não são aquilo que eu seja em mim mesmo.
Tenho dito coisas que o mundo queria dizer, mas não tinha virilidade.
Não porque seja eu Homem, mas porque havia de dizer e mais nada.
Outras digo e que não soam bem ao ouvido de uns.
O que posso fazer? Se é que isso me ocupa de algum modo.
O que tenho a dizer, digo. Exatamente, mais nada.
Não para aliviar a carga imensa de minha alma,
Mas porque tenho que dizer. Uma imposição do meu espírito.
Por que faço poesia? Sei lá. Vem... Só isso.
Nem sei se o que faço é verdadeiramente poesia.
É esse jorro, uma profusão de palavras que me tomam por completo.
Não espere que eu tenha domínio sobre isso,
Sou o meio, não a causa, e não o fim.
Você sabe o que é sentir o peso da carga do mundo sobre si?
Não? Então seja poeta e saberá...
Saberá nos mais pequenos e ínfimos detalhes.
Terás momentos de beleza incomensurável
E outros de agonia dilacerante.
Assim é o poeta, alguém que vive no limbo.
Acho que vou terminar este poema,
Sinto-me esgotado.
Não pelo esforço de escrevê-lo. Amo poetizar.
Contudo, por que devo fazê-lo?
Para que todas as minhas palavras
Em uma só coisa se justifique:
Amor, amar, simplesmente.
Nada mais a alegar,
Só a lágrima que escorre pela minha face...

S. Quimas

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