sexta-feira, 13 de junho de 2014

Anjo de mãos escarnadas

O Mendigo Cego - Jules Bastien-Lepage


Anjo de mãos escarnadas,
Revira o lixo em busca de pão.
A vida lhe é feroz açoite,
Seja dia, seja à noite,
Só a dor sem compaixão.
Ah, meu anjo, te aquieta!
Já não estás sozinho,
Tens aqui o teu irmão poeta,
Que te estende ora a mão
Em meio ao teu tortuoso caminho.
Se não posso, por distante estar,
Afagar-te a cabeça descabelada,
Posso em meus versos por ti orar:
— Senhor, Tu que criaste do Nada
Ao Universo inteiro e ao homem,
Tua obra mais transtornada,
Faze sobre ele um lúmen,
Escancare-lhe os olhos para que veja,
Quanta injustiça no desamparo
De qualquer pequenino que seja
A um destino tão cruel e bárbaro.
Faze com que todo anjo execrado
Possa ser por Teu amor infinito
Um dia da miséria resgatado,
E se caso algum der um grito,
Que seja de plena alegria,
Pela felicidade de ser criança,
De poder viver toda fantasia,
De alimentar em si a esperança.
Enfim, Papai do Céu, meu Deus,
Não deixa mais que se perca nenhum
Dos pequeninos filhos Teus,
Mas se assim se fizer com algum,
Mesmo assim, protege-o da vilania,
Dos adultos malditos e atrozes.
Faze-lhes da omissa escuridão, dia,
E da sua mudez, o som de mil vozes.
Amém!

S. Quimas

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