terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Poesia é vida

Jules Bastien-Lepage - Outubro


Poesia é vida,
Sonho e vigília.
Poesia é o possível realizado
E o todo impossível do mundo.
Não questiono mais.
Só sigo... Abduzido por ela.
A poesia me leva a conjecturas,
Que nem os deuses
E toda filosofia me levaram.
Trouxe-me para a loucura,
Mas por caminhos de prazeres sem fim.
Vivo o mundo inteiro,
Um deus, ou o que seja lá isso.
Incorporado por devaneios, delírios, deleites,
Sendo eu, eu mesmo e todos os seres.
E muito mais:
Toda e completa existência.
Sou assim a minha essência
E a própria vida.
Sangro em mim o mundo inteiro
E me curo na minha
Própria ferida.

S. Quimas

Janeiro já termina



Janeiro já termina
E eu abraço o vento
E me faço irmão de todas as tormentas.
Sou os raios que chispam
No manto cinza em convulsão.
Sou a água que lava a terra
E o cheiro bom que dela nasce,
Inundando todo o ar.
Sou o canto grave dos trovões
E a vibração que faz tremer as janelas.
O ruído das gotas salpicando os telhados
E sou também elas a escorrer pelas calhas,
Morrendo no chão das calçadas.
Sou o dilúvio que assola
E a rega que faz germinar os campos.
Sou o que traz o verde da vida nascente
E o preto do luto pelos que partem nas tragédias.
Sou a glória da Criação
E a ira do Criador.
Sou a devastação que aniquila
E a singela gota que passeia
Pela pétala umedecida de uma flor.
Sou completamente tudo...
Todos os meus imprecisos delírios,
Meus todos e grandiosos devaneios.
Sou o êxtase do mundo
E o apagar-se em sua morte.
Sou a areia, que arredia se levanta nos desertos,
A chuva que esbate o solo,
O vento que sussurra na brisa
E o que grita tremendo nas tempestades.
Minha alma está assim de tudo repleta,
Pois a sorte me fadou a ser poeta.

S. Quimas

sábado, 23 de janeiro de 2016

Eu quero me matar de sorrisos

Ivan Shishkin - Manhã Enevoada

Eu quero me matar de sorrisos
E tantos deles que me alucinem.
Não quero ser nada razoável
De tudo o que não seja eu mesmo.
Não quero acordar cedo,
Mas quando acorde,
Que levante embriagado de vida.
Quero tanto
E sou apenas tão somente mero:
Tudo o que fui,
O que sou
E o que viverei.
Em mim não há razão,
Somente a embriaguez dos meus dias,
A companhia de um porvir
Imaculado como uma hóstia.
Contudo, a hóstia é ceia
E devo provar o cálice,
Finda a reunião, do meu sacrifício.
Por que chamar de paixão
Um destino de morte.
Há quem se apaixone
Por tal sinistra sorte?
Sei não. Poesia é quimera,
Coisa de estúpido,
De quem não vive a verdade,
Essa estupidez desse mundo.
Um desigual,
Onde todo o sentimento é proibido,
Onde amar não é sentido,
Mas renúncia à verdade.
Enfim... Onde tudo tem que ser
Exatamente o que é.

S. Quimas

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sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Há coisas em minha vida

O Menino e o Coelho - Henry Raeburn

Há coisas em minha vida
Que são totalmente questionáveis,
Mas outras
De uma ponderação
Que beiram filosofia.
Versos tenho feito,
Uns razoáveis, outros nem tanto.
São dizeres,
São todos meus seres
E muitos não.
Uns razão,
Outros utopia,
Como se meus sonhos não sejam
Tão importante quanto
Minhas todas e mais severas elucubrações.
O meu mais reto pensamento
Fala de horas,
Essas todas vividas
E de todos os desejos.
Na praça o pipoqueiro
De gesto leve e sorridente
Serve a criança que já fui.
Tão somente memórias,
Talvez mesmo delírios de um mundo de fantasia.
Eu vejo o menino,
Esse todo que fui,
Busco a ele dentro de mim,
Queria que ele
Não tivesse jamais fim.
O que busco?
O menino caminha
Ainda em alguma estrada
Com seu pacote de pipoca.
Assim, alegre e sorridente,
Como se o mundo fosse esse simples prazer.
Por outro lado, o homem que foi menino,
De tal forma se angustia,
Vive sem viver,
Pois o que possa ser
Mais importante em todo o mundo,
Quiçá no Universo,
Do que simplesmente
Um pacote de pipoca?
Meramente isso,
Juízo do homem,
Essência do menino.
Como posso amá-lo menos,
Tamanha a sua simplicidade,
Tamanho o desejo por pipocas.
O menino vai,
Assim caminhando,
Meio que dançando pela estrada da vida.
Vai deixando cá,
Uma trilha de muitas feridas.
Porém, ainda quero vê-lo novamente
Com seu pequeno pacote,
Onde cabem as maiores delícias do mundo.

S. Quimas

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Minha vida é um delírio




Minha vida é um delírio,
Encarnação do mundo inteiro,
Absurdo de tão imensa.
Bebo das águas de todas as eras,
Flutuo no espaço infinito
De todas as minhas lembranças
E daquelas outras todas alheias às minhas.
Vivo a minha vida
E a de todos os outros homens
E a da natureza por completo.
Tudo em mim é transcendental,
Espetáculo contínuo
Que extrapola o tempo,
Rompe limite de existência.
Numa das mãos trago as chagas do profeta,
Na outra um ramo de flores.
A vida me traz rugas na face
E cicatrizes na alma.
Sou o ancião do mundo
E aquele que agora renasce à luz.
Sou dentre todos o real bandido,
Pois da imortalidade o cálice furtei
E o sorvo às goladas
E dele derramo... Poesia.
Sou poeta...
Pai de canções,
Filho de rimas incertas,
Mãe de partos muitas vezes dolorosos.
Tudo em mim é impreciso,
Instável como o tempo,
Fugaz como as nuvens,
Rodopiante como o vento,
Giro de pedras num caleidoscópio.
De mim se espera que eu seja
Algo que não se define.
Assim é: mutação por completo,
Rio que escoa em jamais repetidas águas,
Amanhecer e céu estrelado.
Tudo sou.
E, por sê-lo completamente,
Também sou o nada,
O silêncio, a ausência,
O próprio não ser.
Em mim tudo se cria
E tudo se desconstrói.
Sou um deus e o mais vil mortal.
Sou o que sou
E também não.
Sou poeta.

S. Quimas

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Algo em mim se perde

Rembrandt van Rjin - Jeremias Lamentando a Destruição de Jerusalém


Algo em mim se perde,
Diáfano como a brisa a roçar em meu pescoço.
É como o pensamento
Que vem e, sem nos apercebermos,
Vai-se, tragado pela imensidão
De todos os outros tantos.
Lá longe, uma música triste
Rompe o silêncio,
Notas quase em surdina
Que a brisa me traz.
Lembro-me dela,
Não seria aquela de... De...
Não. Em mim não há certeza.
Melhor que somente a ouça,
Pois não importa qual seja,
Mas que esteja presente.
O banco em minha varanda está triste,
Pois há muito não lhe faço companhia.
A minha toda misantropia
Escava no tempo
Cavernas sem fim,
Milhares delas,
Onde a minha alma
Incorpora em todas as minhas ausências.
Já não sei de mim
— talvez, jamais o tenha sabido —,
Somente sei agora da música que persiste
E embala meu pensamento.
Vem chegando a noite
E o dia desfalece,
Só a música persiste
Numa repetição interminável.
Não sei em minha mente,
Ou de modo real.
Não sei mais o que seja.
Contudo, a música está em mim.
É como âncora que funda a nau da minha vida,
Dá-me porto, traz-me casa.
Quantas vezes procurei ser como firmamento,
Este exato que agora se anuncia
Com todas as suas infinitas estrelas à minha visão.
Porém, desde muito cedo,
Percebi que tudo se transforma
No caleidoscópio da existência.
Possa ser que as pedras sejam as mesmas,
Mas no girar dos momentos nada é igual.
Em vão tentei me agarrar às minhas vivências,
Porém minhas vivências eram como tronco
Que se deixava levar na imensidão
Do rio da vida
E assim quão mais o abraçava,
Em busca de salvação,
Mais me distanciava
De tudo o que fora,
Para, levado pela corrente,
Penetrar em águas desconhecidas.

A música persiste
E eu, apenas adormeço.

S. Quimas




quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Quem sabe agora os meus escritos

Nu Masculino - Autor desconhecido

Quem sabe agora os meus escritos
Deixassem as sombras
E se revelassem à luz?
Quem sabe os versos descabidos,
Os impensados, a rimas vis,
Se transformassem em flor?
Simplesmente em flor.
Quem sabe?
Quem sabe todo o sentimento,
Tudo aquilo dito e do muito falado
Teria tão somente agora tal significado?
Toda a poesia tarda em ser a si.
A maior delas é aquela que se repete,
A que sempre se lê e é ainda outra,
Ainda que a se leia incontáveis vezes,
Pois seu prazer, ou a sua tortura,
Simplesmente nos leva a alma,
Rouba-nos o sossego,
Simplesmente nos toma.
Poesia é mundo de cruzes,
Do desejo insatisfeito,
Ou das lembranças perdidas,
Ou das alegrias, dos amores.
É-nos ferida aberta,
Doença sem cura,
Total perdição,
Miragem, razão.
Poesia é a completa imersão
No mais profundo de nós,
Tênues certezas de coisa nenhuma,
Droga que nos alucina,
Sem droga nenhuma ser,
Mas que nos furta por completo.
Ah! Poesia, poesia...
Maravilha essa construída de palavras apenas.
Toda imensidão,
Tingida de estrelas negras
Sobre o infinito branco do papel.

S. Quimas