quinta-feira, 26 de junho de 2014

A única metade da missa que do poeta sabem é a de Réquiem

O Cavalo Branco - John Constable


A única metade da missa que do poeta sabem é a de Réquiem.
Da sua vida têm suas poesias, delírios transportados para o papel,
Mas não o têm, nenhuma fração de sua alma que não seja versos.
Só conhecem suas dores em seus escritos lamuriosos,
Naquilo que deixa escapar das muitas chagas que lhe são o inferno
A lhe torturar o coração, pois sua vida é um flagelo
E o látego de todas as vidas se abate sobre ele.
Ainda que caminhe com passos firmes, o poeta se prostra,
Pois em seu caminho vê gente que padece sempre de algo.
É como um mata-borrão que suga todo o veneno do mundo
E o regurgita em forma de belas linhas, ainda que fale de dor.
Mas o que bota para fora já não é o veneno que sorveu,
Pois o veneno guarda em si. Ao mundo só a beleza,
Sempre as flores libertas de todos os seus espinhos.
Muitos o imaginam um deus sentado em um trono,
Banhado de eterna luz, compondo suas estrofes magistrais.
Ninguém o vê como realmente é, e nem querem,
Precisam de deuses para que adorem e se sintam imortais.
A única coisa imortal na vida de um poeta é o desespero,
Uma angústia lancinante que se oculta em todo sorriso,
Que se disfarça de arte e burla a toda a visão.
Ainda que fale de amor, que escreva da paixão,
Fala de um amor e de uma paixão ideais.
O que reparte é tão imenso, tão absoluto,
Que não encontra eco, só ouvidos que ouvem, olhos que leem.
Quem poderá sentir o que sente, senão ele mesmo?
Se não fosse assim não haveria propósito em fazer poesia
E na poesia cantar a tudo o que lhe toca o espírito.
Se canto surge, pois a alma não lhe sustenta a imensidão do ser,
E transborda, derrama-se em jorros de pura sensibilidade.
Ninguém ama o poeta, ama a sua poesia, mas não a ele.
O poeta nasce só, vive só, e morre só.
Só Deus o sabe, porque Deus em tudo vive
E escolheu o poeta para viver o infinito de todo sentimento.
Ainda que tudo passe, a poesia jamais passará.
Ela é o Canto Divino, a canção que criou todo o Universo.
“Faça-se” e do Nada surgiu o Todo,
Mas a poesia não pertence a tempo nenhum.
Está além, muito antes do Princípio
E muito além da Eternidade.

S. Quimas

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