quarta-feira, 18 de abril de 2007

Daisy (Conto)



O carro estacionou, um Peugeot, e ela fingiu que não percebeu a chegada do motorista. Era prostituta, mas não queria trabalhar hoje. Ele disse-lhe algo e ela apenas sacudiu a cabeça recusando. Saiu em disparada, deixando um rastro de pneus e vociferando impropérios aos quais ela mal ouviu, ou se ouviu, dissimulou, se retirando dali a passos rápidos. Já devia tê-lo feito há mais tempo, mas insistira em tentar ao menos, talvez, um cliente.
Dirigiu-se a um dos bares, não muito longe dali. Entrou e sentou-se em uma mesa, num canto não muito longe do balcão.
— Um uísque... sem gelo.
Reparou que o lugar estava um pouco vazio para uma quinta à noite, dia em que geralmente lotava. Perguntou ao garçom se tinha idéia do motivo da casa estar tão pouco freqüentada naquela noite. O homem lhe disse que também não fazia idéia do que se passava e que, como sabia, às quintas a casa sempre lotava.
Tomou um trago da bebida e tirando um cigarro da bolsa, colocou-o entre os dedos e pediu fogo. Prontamente o garçom acendeu. Entre uma baforada e outra pensou na vida e na dúvida que lhe consumia o pensamento.
Havia recebido uma proposta. A princípio estava inclinada a aceitá-la, porém depois já não estava tão segura de ser algo que realmente lhe trouxesse algum benefício.
— Eu quero apenas que você largue as ruas e venha trabalhar comigo como dançarina na boate. — Disse o senhor calvo vestido num terno caro, mas que lhe vestia muito mal.
— E quanto me paga? — Perguntou.
— Quinhentos por semana e você fica com as gorjetas. — Declarou com um sorriso que deixava aparecer a jaqueta em ouro de um dos dentes.
— Vou pensar. — Disse simplesmente. E voltando-lhe as costas, partiu.
Quando já ia a alguns passos, ouviu dizer-lhe:
— Não demore, pois uma das meninas engravidou e tenho que substituí-la rápido. Uma semana?
Não respondeu e continuou caminhando.
Agia assim, com este desprendimento, que muitas vezes se confundia com uma certa petulância. Era a prostituta mais bonita da área e nunca ficava, quando disposta a trabalhar, sem cliente. Os seus carinhos custavam caro e não saia com cliente por menos de cem a hora. Contudo, queria deixar aquela vida, pois sabia que os anos passariam e com eles a sua exuberância. Precisava fazer caixa e, quem sabe, montar uma loja ou coisa assim.
Tinha economizado algum dinheiro, que tinha investido em parte em alguns fundos de ações. Estes davam sempre um bom lucro, o que arrancava dela sempre um sorriso quando recebia o extrato bancário.
Possuía já quase todo o dinheiro que precisaria para investir numa loja, talvez de roupas femininas, talvez lingerie.
Não tinha filhos. Nunca casara. Raramente namorou. Interessava-se pouco pelos homens e só os tinha amiúde como clientes.
Pediu outro uísque e acendeu mais um cigarro.
O bar gradativamente começou a encher e vez ou outra acenava para um ou outro conhecido. Convidaram-na para uma das mesas, mas recusou, permanecendo sozinha.
Com quinhentos por semana, mais as gorjeta, deveria tirar uns oitocentos por semana. Não era uma perspectiva ruim, pois tinha poucas despesas, só gastando mais devido à necessidade de boas roupas. Para dançar tudo o que menos precisava era estar vestida.
Seria bom também, pois a livraria da necessidade de sair com clientes que muitas vezes tinham hábitos um tanto estranhos.
A casa se encheu e não se confirmou a perspectiva de ser uma noite entediante.
Alguém trouxe um violão e juntaram-se algumas mesas numa roda de canto.
O músico não era ruim e além de tocar bem o instrumento tinha uma voz afinada. Tocou bossa nova e alguns blues. O repertório agradou.
— Por favor, traga a minha conta. — Disse ao garçom.
— Vai logo agora que a casa está animada? — Ele perguntou.
— Amanhã é outro dia.
— E o trabalho na boate? Vai aceitar? — Perguntou o garçom.
— Amanhã vou procurar o dono. Estou inclinada a aceitar.
— Quer dizer que vamos perder a sua companhia aqui no bar? — Indagou sinceramente sensibilizado o garçom.
— Nas minhas folgas virei. — Disse pegando o troco da despesa. — Até mais.
— Até mais.
Despediu-se de algumas pessoas e retirou-se do bar, tomando o caminho de casa.
A polícia não trata com muito carinho problemas com prostitutas, mas Daisy era diferente, todos gostavam dela.
O seu corpo foi encontrado atirado junto ao meio-fio, próximo à faixa de pedestres junto a um sinal. O rosto desfigurado pelo impacto contra o chão. O vestido lavado pelo sangue que brotara em profusão, fraturado o crânio.
Havia sido atropelada. Meses depois descobriram o responsável: o motorista do Peugeot, em vingança.

S. Quimas


Este conto é parte integrante do livro "Contos e Encantos por S. Quimas. Baixe Contos e Encantos gratuitamente.

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