sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Algo em mim se perde

Rembrandt van Rjin - Jeremias Lamentando a Destruição de Jerusalém


Algo em mim se perde,
Diáfano como a brisa a roçar em meu pescoço.
É como o pensamento
Que vem e, sem nos apercebermos,
Vai-se, tragado pela imensidão
De todos os outros tantos.
Lá longe, uma música triste
Rompe o silêncio,
Notas quase em surdina
Que a brisa me traz.
Lembro-me dela,
Não seria aquela de... De...
Não. Em mim não há certeza.
Melhor que somente a ouça,
Pois não importa qual seja,
Mas que esteja presente.
O banco em minha varanda está triste,
Pois há muito não lhe faço companhia.
A minha toda misantropia
Escava no tempo
Cavernas sem fim,
Milhares delas,
Onde a minha alma
Incorpora em todas as minhas ausências.
Já não sei de mim
— talvez, jamais o tenha sabido —,
Somente sei agora da música que persiste
E embala meu pensamento.
Vem chegando a noite
E o dia desfalece,
Só a música persiste
Numa repetição interminável.
Não sei em minha mente,
Ou de modo real.
Não sei mais o que seja.
Contudo, a música está em mim.
É como âncora que funda a nau da minha vida,
Dá-me porto, traz-me casa.
Quantas vezes procurei ser como firmamento,
Este exato que agora se anuncia
Com todas as suas infinitas estrelas à minha visão.
Porém, desde muito cedo,
Percebi que tudo se transforma
No caleidoscópio da existência.
Possa ser que as pedras sejam as mesmas,
Mas no girar dos momentos nada é igual.
Em vão tentei me agarrar às minhas vivências,
Porém minhas vivências eram como tronco
Que se deixava levar na imensidão
Do rio da vida
E assim quão mais o abraçava,
Em busca de salvação,
Mais me distanciava
De tudo o que fora,
Para, levado pela corrente,
Penetrar em águas desconhecidas.

A música persiste
E eu, apenas adormeço.

S. Quimas




Nenhum comentário: