sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Pirulito




Estava ali deitado, arfante, num canto da calçada. Caia uma chuva grossa e insistente. As poças se formavam, refletindo as luzes dos postes e lojas na vizinhança. Na rua, os carros passavam e vez por outra, ao cruzar com uma poça levantavam um esguicho d’água, molhando as calçadas. Naquele canto, numa caixa de papelão, Pirulito agonizava. Ninguém reparava. Todos passavam inconscientes da sorte do animal.
Era um cão alegre e muito dócil. Sua mãe, uma cadela de rua, havia dado cria e teve quatro filhotes: Pirulito e mais três cadelinhas. Ele, como as irmãs, tinham a pelagem com grandes manchas, que iam do marrom claro ao preto. Contudo, Pirulito tinha uma mancha peculiar na testa, uma espécie de círculo amarronzado que tinha um traço na base, lembrando um pirulito, daí o seu nome.
A mãe havia parido as crias em um beco próximo e os criou até que, adultos, seguiram seu próprio destino, sendo que ela, para consternação da vizinhança, morreu atropelada uma noite por um carro, enquanto fuçava alguma coisa num canto da rua. Não se sabe ao certo se o motorista fora o culpado. O que fazer? É o destino. Quanto às irmãs, nunca mais se soube delas.
Pirulito foi apadrinhado pelos lojistas, que garantiam água e o alimento de cada dia e lhe davam guarita em um canto da calçada, que recuava na parede de uma das lojas, devido à arquitetura dessa loja. Punham ali uma caixa e alguns trapos, que eram regularmente trocados, para que o animal não passasse desconforto, principalmente nos dias e noites de inverno.
Sempre pelas manhãs, ao ouvir o abrir das portas, o cão se dirigia para o local. Vinha abanando o rabo e latindo cheio de alegria. Sempre era festejado. Alguns comerciantes davam-lhe biscoitos, ou restos que traziam em sacolas de suas casas. Pirulito não poderia desejar vida melhor. Tinha o alimento, a sua casa e, principalmente, o carinho das pessoas. Mesmo os transeuntes não se incomodavam com sua presença e muitos o acariciavam, comovidos pela sua alegria e disposição para brincar.
Contudo, naquele dia Pirulito estava sozinho. Era domingo e as lojas estavam fechadas. Só uma lanchonete no fim da rua, esquina com a principal, encontrava-se com suas portas abertas. Ninguém havia notado sua ausência. Sua porção dupla de ração, servida numa vasilha no sábado à noite, mal havia sido tocada. Não tinha fome. Estava doente.
Às vezes abria ligeiramente os olhos, mas não tinha forças suficientes para se erguer. Sucumbia à dor. Terminava. E assim, passou as horas daquele domingo, prostrado, praticamente sem se mover.
Aos poucos a respiração foi falhando, o coração foi se tornando cada vez mais fraco, até que Pirulito espirou e a vida abandonou o seu corpo. Só a chuva lhe testemunhou a partida, só ela o acompanhou. Quem sabe, não teria ela vindo lhe buscar?
Na manhã de segunda-feira, um dos comerciantes se aproximou da caixa e chamando por Pirulito, não obteve resposta. Ao tocar o animal, notou a rigidez do corpo. Pirulito estava morto. Ficou parado diante do corpo. Uma lágrima desceu-lhe dos olhos.
— Adeus, Pirulito. Que Deus tenha uma caixinha para você num canto de uma caçada qualquer no Céu!



Luz e paz.

S. Quimas

Veja também:

Nenhum comentário: