sexta-feira, 15 de abril de 2011

Zé Bicudo

Há aqueles que se entregam prontamente às ideias, sem nenhum questionamento. Basta-lhes muitas vezes, apenas novidades, um encantamento qualquer. Outros, céticos, duvidam mesmo da razão, cegam-se aos fatos, vivendo em um mundo de bases voláteis, onde nada se sustenta por mais que um ínfimo lapso de tempo.
Entre uns e outros existem os sábios e os idiotas, e Zé Bicudo.
Basta de divagações. Sigamos.
Criatura interessante o tal Zé Bicudo. Aprofundara seus conhecimentos de anatomia animal na dissecação dos galináceos da vizinhança, tendo criado uma miríade de métodos de captura, corte e preparo dessas aves encantadoras que vulgarmente recebem o nome de frangos e galinhas. Era perfeito nessas artes.
A seu favor também havia o grande mérito de jamais ter sido pego em qualquer ato impróprio. Desconfiava-se, mas prová-lo, nunca.
Seguia seus dias normalmente e entre um furto e outro, ganhava algum cuidando de jardins ou fazendo biscates como pintor de paredes.
Numa de suas jornadas de trabalho, contratado para a pintura de uma casa, foi com surpresa que se deparou na hora do almoço que, um pouco mais afastado da habitação, em sua parte posterior e junto a um pomar, havia um cercado onde cacarejavam alegremente alguns espécimes, criação medalhada do proprietário e um dos seus grandes orgulhos.
Passou mais de uma semana na propriedade e enquanto trabalhava na pintura, ia planejando mais um furto. Estava obcecado pela ideia de degustar uma daquelas penosas.
Resolveu que daria seu golpe no último dia de trabalho e, assim o fez.
No fim do expediente, recebeu o restante do seu pagamento e, dissimulando suas reais intenções, pediu ao dono se poderia levar algumas frutas que vira no pomar.
O proprietário, satisfeito com o trabalho caprichoso de Zé Bicudo, disse-lhe que se servisse do que quisesse e, despedindo-se ali mesmo, recomendou-lhe apenas que batesse o portão ao sair. Retirou-se para o interior da casa.
Zé foi ao pomar, recolheu algumas frutas e ligeiro como um gato, esgueirou-se para o galinheiro. Como o sol já se punha, os animais já começavam a se recolher. Bastou-lhe um pouco de habilidade para, num gesto preciso, torcer o pescoço de uma das aves e colocá-la rapidamente em sua bolsa de ferramentas, recobrindo-a com as frutas que colhera.
Saiu ligeiro, fechando o portão atrás de si.
Pela rua foi rindo-se do episódio qual um moleque travesso que comete uma arte qualquer.
Após alguns minutos, para sua surpresa, foi alcançado no ponto de ônibus pelo dono da casa. Gelou. Teve cólicas, percebendo a aproximação do ex-contratante.
— Zé, Zé... Espere. — Disse o homem, abrindo a porta do seu carro.
Era tarde. Fora descoberto. Resolveu aceitar seu destino. Era um ladrão, mas não era pessoa violenta e acaso saísse em disparada, talvez piorasse o caso.
“Seja feita a Tua vontade”. — Orou em silêncio.
— Abra a sua bolsa. — Ordenou o homem.
Voltando ao carro pegou um pacote e coloco-o dentro da de Zé.
— É um dos frangos que assamos para o jantar. — Explicou o patrão. — A patroa ficou preocupada se você tinha o que comer logo mais. Obrigado, Zé. E bom jantar.
Deu partida no carro e foi-se.
Zé só pode acenar em despedida, antes de molhar as calças.


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