quarta-feira, 13 de abril de 2011

A Quem Interessa a Guerra

Over the Top, Neuville-Vitasse por Alfred Bastien


Desde tempos obscuros, no início dos primeiros grupamentos humanos, movidos pelas mais variadas necessidades, o ser humano vem combatendo a sua própria espécie. Na escassez de alimentos, muitas tribos ou bandos invadiam os territórios alheios e numa carnificina desenfreada, tomavam para si o que a outros pertencia. Outro motivo que induzia a este comportamento era a territorialidade e a xenofobia, que levavam à destruição do semelhante em prol da conservação do território, tido como posse, ou o medo de ser invadido e dominado por quem vinha de além.
No centro da questão, sempre a posse, a propriedade, a circunscrição do limite de uso pelo outro de algo que era tido como seu. Herdamos isto do nosso estado animal e até os dias atuais não superamos esta visão insular da propriedade e resistimos em compartilhar os frutos da vida generalizadamente.

A visão capitalista do mundo é contundentemente proprietária, não obstante, a comunista também o é de certa forma, pois se não temos o regime do bem privado, o temos dissimulado na realidade dos regimes de estado comunistas praticados até nossos dias, através da política da limitação do pleno usufruto e da estatização dos meios de produção. Em um o proprietário é o indivíduo, no outro o estado, mas o conceito de propriedade é comum a ambos.
Talvez algumas pessoas possam argumentar que eu tenha cometido um grave erro na análise que fiz no parágrafo acima. Possa ser, mas de fato qualquer proposta que alheie o acesso ao uso ético dos bens disponíveis, simplesmente limitando a participação, não é moral. Seja capitalismo, seja comunismo, quando é negado ou imposto limites ao indivíduo quanto a viver na plenitude, em participar integralmente da partilha dos bens comuns, se está com isto mediocrizando a sua existência.
Contudo, como resolver tal impasse? O que seria justo e ético, em termos de distribuição e participação?
A força motriz do mundo é o trabalho. Nada se produz ou se constrói sem o trabalho. O trabalho é antes de tudo o agir visando alcançar uma finalidade. Quando um estudante desenvolve as suas atividades de aprendizado, ele está trabalhando, ou seja, operando em função de adquirir conhecimento. Um operário ao realizar a sua tarefa, também trabalha. E por aí vai.
Toda a ação é trabalho e muitas vezes também a não-ação, quando isto redunda em obter um dado objetivo. O trabalho estará sempre ligado a um objetivo.
No capitalismo o principal objetivo do trabalho seria o lucro e no comunismo a riqueza da nação. Contudo, nenhum dos dois sistemas resolve a essência da questão humana: usufruir plenamente dos bens alcançados.
Vimos historicamente ambos os regimes serem adotados por diversos países e malograrem. E, por que fracassaram? Um dos fatores é a remuneração.
O retorno sobre a atividade é uma condição essencial de todo o trabalho. Quando se planta uma lavoura de milho, espera-se que em alguns meses se colha espigas de milho. Como, ao se postar em frente a uma tela, o pintor espera pintar um quadro.
Resta-nos uma questão: porque se remunera menos a alguém do que a outro? O trabalho de um vale menos do que o de outro?
Quando se constrói uma escala de remuneração em uma indústria, por exemplo, levam-se em conta diversas peculiaridades em relação a cada função dentro da empresa. Um alto executivo recebe uma remuneração muitíssimo superior a de um faxineiro. Ele tem um nível de responsabilidade maior, tem um nível de conhecimento superior, estrategicamente a sua função é muito mais crítica para a empresa, o seu ganho deve ser mais atrativo, pois se ele se tornar insatisfeito, pode ser abordado pelo concorrente. Em contrapartida, se o faxineiro não executar bem o seu trabalho, a empresa se tornará uma “lixeira” e seu ambiente impróprio para o desenvolvimento das atividades da empresa. No mercado de trabalho é mais fácil se achar faxineiros, do que bons executivos.
Nossa visão animal do mundo ainda é a dominante, ainda não superamos o modo de ser dos bandos. Somos “antropóides” sofisticados, mas essencialmente nos comportamos de modo semelhante aos demais. Temos uma imensa dificuldade na aceitação da universalidade da raça, por assim dizer, somos naturalmente bairristas.
Mesmo em nossas atividades lúdicas, como nos esportes, confrontamos nossas bandeiras e a rivalidade entre os times é a expressão do chauvinismo dissimulado em pretenso “espírito esportivo”. Ora, não é nada cordial e galante, por exemplo, um jogador cometer uma falta num jogo de futebol nos momentos finais de uma partida, para evitar que o outro pontue e ganhe um campeonato. Que me perdoe o barão Pierre de Coubertin, mas em toda a competição esportiva a finalidade é vencer.
O pronome possessivo é um dos que mais empregamos: minha casa, nossa família, teu carro. Isto está radicado na psicologia humana e reflete a sua condição ainda bem próxima a dos demais animais.
Gosto muito de documentários sobre a vida animal. A Natureza é fantástica na sua capacidade de criar tamanha variedade de seres. Contudo, nenhum é muito diferente do homem quando se trata de defender o seu território ou conquistar a fêmea. Os animais são tirânicos e a lei da sobrevivência e da preservação da espécie fala sempre mais alto. Chamam a isto instinto.
Tem muita gente que critica os seres humanos e aponta os animais como exemplo de bom comportamento. Se vissem um documentário sobre a vida na savana não falariam tamanha estultícia. Um leão macho dominante mata facilmente seu filhote, se este avançar sobre a carcaça de um animal abatido, antes que esse macho tenha feito a sua refeição. Nisto somos muito mais complacentes.
A espécie humana tornou-se altamente sofisticada nas suas relações interpessoais e com o meio. Contudo, ainda mostra muitos reflexos de sua herança primitiva, coisa que deverá superar se realmente deseja alcançar a plenitude. Enquanto houver rastros de animalidade em seu comportamento, estará distante de alcançá-la.
Levantei duas questões: o usufruto e a propriedade. Se fizéssemos uma enquete sobre o que seria mais justo, possuir ou usufruir, boa parte das pessoas diria que usufruir. Porém não há muita sinceridade nesta afirmação. Somos educados para a propriedade e não para a partilha, e dificilmente contrariamos esta cultura.
Se o filho pequeno deixa seu carrinho com o amiguinho e chega sem ele em casa, é quase certo que sua mãe faça-o voltar à residência do amigo e buscar o brinquedo. “Você não tem cuidado com as “suas” coisas! Não quero que deixe “seus” brinquedos com ninguém!” — Certamente ela diria.
E assim, evoluímos de “nossos” brinquedos para outras “nossas” propriedades.
O quadro do menino que não usa mais seus brinquedos, mas que os pais mantêm-nos guardados, cerceando a oportunidade de outras crianças usufruírem, é extremamente comum. Muitas pessoas guardam coisas úteis em cômodos da casa, sem dar-lhes função, apenas pela manutenção da posse. Isto é doentio. Contudo, em menor escala, passa totalmente despercebido e é mesmo aceito como atitude normal.
O ser humano é egocêntrico e egoísta, nasce assim e vai aprendendo durante a vida a desintensificar estas manifestações de sua natureza para poder viver em sociedade. Porém, ainda que minimizados o egocentrismo e o egoísmo permanecem atuando subliminarmente.
Abrir mão do usufruto de algo para que outro o tenha é um fato extraordinário, ceder a posse voluntária e prazerosamente, divino.
Muitos desejam uma sociedade justa, ordeira e pacífica, não obstante, o que realmente desejam é gozo sem-limites não sendo incomodados por ninguém. São humanos.
Transcender esta condição é o que conduzirá a raça humana a um novo patamar existencial, senão só repetiremos o que houve com as outras civilizações que nos precederam, ainda que possuamos uma tecnologia mais sofisticada e uma ciência mais desenvolvida. Nem a ciência e nem a tecnologia são panacéias para a cura de nossas doenças comportamentais.
Quando forjamos nossos executivos, os educamos para serem altamente competitivos, para serem leões dominantes e os nossos serventes para permanecerem filhotes.
Uma empresa destrói o mercado de outra, assimilando a sua parte e, muitas vezes, arrestando o seu patrimônio e demitindo os funcionários da extinta empresa. Chama-se a isto competitividade e boa administração. As bestas das savanas são PHDs neste assunto.
Eu assisti um documentário em que um leão tomava posse de um bando. Uma das fêmeas, grávida, se afastou prontamente. Dias depois deu à luz a um filhote. O macho recém empossado no trono seguiu-a e furtivamente matou o filhote. O que queria era que a leoa estivesse o mais rapidamente pronta para uma nova gravidez. Só que agora para conceber um filhote seu.
Somos muito sofisticados, mas não estamos distantes de sermos semelhantes às feras do mundo animal. E, em escala, somos muito mais destrutivos. Até hoje nenhum tigre construiu artefatos para destruir milhares de vezes o planeta.
A dissonância que existe entre o que se prega nas igrejas, freqüentadas tanto pelos executivos quanto pelos serviçais, e a prática cotidiana é imensa. Lá todos se chamam “irmãos”. Bem, possa ser. Caim não era irmão de Abel? Entretanto, ao se atravessar os portais, a fraternidade dá lugar à objetividade pragmática.
A humanidade não trabalha para a igualdade, mas para o distanciamento. A forma de educar em uma escola pública em boa parte dos países e principalmente naqueles de menor poder econômico, é muito diferente daquela praticada em uma escola privada. Uma educa líderes, a outra, serviçais. É por isto que encontramos mais facilmente faxineiros do que executivos.
Estas distorções sociais geram uma crise sem fim e uma luta de classes sem solução. Não me afirmem que o Fulano de Tal, no regime comunista, teve a mesma chance do outro “camarada” e, portanto, foi ocupante de um alto posto por mérito. Possa ser que seja verdadeiro, porém tal fato é uma exceção, quando deveria ser a regra em qualquer regime, mais ainda no comunista.
A competitividade é importante, afirmam. Faz com que uma indústria aperfeiçoe seus produtos para ter maior penetração no mercado e com isto quem ganha é o consumidor. Linda teoria. Contudo, a realidade é que as empresas querem dominar o mercado e, não, fazer mimos aos consumidores, só se isto lhes trouxer algum dividendo. Até o diabo tem lá suas doçuras, mas seu fim é um só, dominação.
Os estados patrocinam a corrupção ética dos seus cidadãos, mascarando e dando aceitação a certos comportamentos, simplesmente para que, em larga escala, possam dominar. Um exemplo clássico disto é a prática imperialista das nações ricas que dominam o mundo.
Não existe nada de abominável na nudez e nem no ato sexual normal, mas a eles se transformou em pornografia, para que pudessem ser comercializados, foram tornados produtos para criar condição de venda e se construíram impérios comerciais sobre esta distorção do que deveria ser encarado naturalmente. A pornografia vende a fantasia, muito bem elaborada pelos “marqueteiros” da indústria do sexo. Se as pessoas andassem nuas nas ruas, morreria uma indústria de bilhões. Da mesma forma, também, se o sexo fosse encarado com naturalidade e não como tabu. Contudo, onde estariam os impostos e os grandes lucros?
O que é legal e o que não é? Principalmente, o que é ético?
O exemplo que citei é apenas uma das muitas hipocrisias dos governos em todo o mundo.
A escalada da violência em todo o planeta é fruto deste comportamento alienante por parte dos governos e dos “donos do mundo”. A eles interessa em muito a dissensão que há, pois eles e seus pares lucram muito com isto.
Por trás da riqueza de muitas nações está a alienação de seu povo em relação à prática de suas empresas em outras nações e mesmo em seu próprio território. Um povo que tenha o rabo sujo ou que se sinta psicologicamente assim, dificilmente se subverterá contra as atitudes governamentais ou empresariais, cobrando atitudes éticas de seus dirigentes, a não ser que seja conduzido a isto.
Quem mandou Luiz XVI e incitou o povo à revolução foram Robespierre e Danton. A carnificina se deu como expurgo da permissibilidade que o povo francês sustentou durante anos a fio. Destruíram o “Retrato de Dorian Grey”, que mostrava o horror da sua passividade mórbida diante das aberrações praticadas pela realeza e seu séqüito. Não podiam conviver com o espelho da sua vergonha.
Muitos governos jogam com interesses escusos e manipulam a opinião pública para atingir os seus fins. Guerras e atos violentos aqui e ali, são simplesmente sustentados para desviar a atenção dos povos e populações de fatos mais críticos, que perpetuam as distorções que há no mundo.
A guerra interessa àqueles que querem submeter e dominar e àqueles que querem enriquecer imoralmente a qualquer preço. Estes criam as condições propícias para que ela aconteça e possam dar vazão aos seus objetivos antiéticos.

Que a Paz esteja contigo.

S. Quimas

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