sexta-feira, 1 de junho de 2007

Porco na cabeça (Conto)




Prometeu parar de beber, mas jamais cumpriu a promessa. Todos os dias saia cedo de casa. Dizia que para procurar trabalho. Nem nas feiras-livres, nos fins de semana, uma caixa sequer descarregava dos caminhões. O bar era um ímã irresistível.
Mal dobrava a esquina, despejava pela goela abaixo a primeira do dia.
— É para parar a tremedeira. — Dizia.
“Esse não tem mais jeito”, pensava, sacudindo a cabeça, o dono do boteco.
Um dia desceu o morro, passou na banca de bicho e botou os trocados que tinha no bolso na milhar do porco. Cercou pelos cinco, milhar e centena, pois não era bobo, queria se prevenir.
O palpite tivera num sonho. Sonhou que estava faminto e procurando em casa não achou alimento nenhum. Foi na do vizinho, este havia saído. Chamou, chamou nada. Em todas as outras casas, o mesmo.
Numa delas havia um chiqueiro. A fome lhe torturava. Olhou para cá e para lá, entrou no terreno. Não havia mais ninguém ali, só ele e o porco que roncava na pocilga. Abriu o portão do curral e, sem qualquer cerimônia, deitou a comer a lavagem do porco.
Comeu até se fartar e saiu. Voltou para casa e foi-se deitar. Ao chegar ao quarto, fedendo que nem gambá, encontrou a mulher nua admirando-se frente ao espelho. Nela havia algo estranho, pois ao invés de dois, possui vários seios, como numa porca.
Fez o sinal da cruz e tomou a direção da rua. Não andou muito e sentiu-se ameaçado, pois uma manada de porcos, liderada pelo porco de quem havia roubado a comida, vinha rápido em sua direção. Fugiu. Não foi muito longe. Tropeçou e caiu.
Acordou assustado, coração na boca. A manada de porcos cravando-lhe os dentes, sua última lembrança.
A mulher passava o café. Escovou os dentes, lavou a cara e saiu sem café. Passou no bar, tomou a pinga e foi fazer o jogo.
Depois da soneca do almoço, como não tinha dinheiro, antes de sair visitou a bolsa da mulher e tirou de lá a última nota de dinheiro. Meteu no bolso e saiu para beber. Bebeu até as três e desceu para conferir o bicho.
Porco na cabeça: nove mil trezentos e setenta e dois. Ganhou novecentos e vinte reais. Pegou o dinheiro e resolveu dar um presente à mulher. Foi na loja e comprou uma televisão nova, a que tinha havia perdido a cor.
Pegou a caixa e subiu o morro. Parou no bar e tomou algumas. Entortou. Teimando, pegou a tevê e foi levá-la para casa. A mulher não estava. Melhor assim, faria uma surpresa quando ela voltasse.
Mesmo ébrio, não sem algum esforço, tirou o aparelho antigo da estante e no lugar instalou o novo. O outro botou na rua para quem quisesse levar.
Como não resistia mais, foi dormir.
Acordou já era noite. Tudo escuro. A mulher ainda não chegara. Lavou o rosto e foi-se para o bar. Ficou lá bebendo, esperando até que a mulher retornasse. Com o que tinha no bolso pagou bebida para todo mundo e perdeu dinheiro na mesa de sinuca. Ficou sem nada.
Sem tostão, decidiu ir embora. Chegou e notou que a porta estava entreaberta. Estranhou.
Ficou parado alguns minutos no portão e como não percebeu a presença de ninguém na casa, resolveu entrar.
Ficou chocado. Sem avisar a mulher havia retirado todos os móveis e ido embora. Junto, a televisão nova.

S. Quimas



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